Tenho 24 anos.
Após 3 anos em um trabalho que eu odiava, trabalhei por 9 meses em uma empresa que eu amava e tinha grande potencial de crescimento. Faço mestrado e tinha total apoio do meu ex-chefe, assim como flexibilidade de horário para acompanhar as aulas. Recebi uma proposta para trabalhar no exterior e aceitei por achar que seria uma chance única na vida. Sempre deixei claro que a minha prioridade era terminar os estudos e o horário acordado permitia isso, porém chegando no novo país me decepcionei com o novo emprego, estou trabalhando mais de 12 horas por dia e perdendo todas as aulas. Já tentei conversar, mas nada foi resolvido. Estou aqui há apenas 2 meses e já quero voltar. Isso pode manchar meu currículo e prejudicar minha carreira?
Interromper uma experiência profissional, mesmo que de muito curto prazo, não necessariamente “mancha” o currículo ou prejudica a carreira. As vezes pode ser melhor romper com algo que seja muito inadequado, do que continuar sofrendo com medo de “manchar” o currículo. Na verdade, o que poderia ser prejudicial para a imagem profissional seria a falta de boas razões que justificassem a decisão de ruptura. Por outro lado, todo início em novo emprego gera um certo desconforto.
Não é fácil se adaptar a uma nova cultura, novas tarefas e a novos colegas de trabalho. Normalmente essa fase de adaptação leva tempo. Tudo parece diferente, e as pessoas precisam de tempo para assumir o novo. Quem chega sempre estranha a cultura, os valores e, sobretudo as novas pessoas. No entanto, no seu caso, parece que rapidamente você passou a ter certeza que o novo emprego não é adequado. Aparentemente, o que está havendo é um desentendimento sobre horários de trabalho estabelecidos em contrato. Isso, independentemente do fato de se estar sem tempo para fazer um curso, poderia configurar uma justa razão de ruptura. Afinal não se está respeitando algo contratado, isto é, desde que esteja escrito no contrato.
No entanto, é importante ressaltar que o “deixar algo claro” em uma entrevista de contratação é bem diferente de fixar algo em contrato. Um, é desejo de uma das partes, e o outro é acordo legal entre as partes. As pessoas devem ficar atentas e sempre verificarem no contrato de trabalho a existência de tudo que ficou acordado nas conversas de contratação. Questionar antes de aceitar evita problemas. Questionar depois não só não resolve como também pode prejudicar a carreira.
Independente de tudo isso cabe lembrar que sempre é melhor cumprir um contrato estabelecido do que rompê-lo. Uma carreira de sucesso é sempre baseada no cumprimento dos acordos estabelecidos. Romper unilateralmente ou desistir antes do final são atitudes que atrapalham a boa evolução de uma carreira. Para ter uma carreira de sucesso é importante ser resiliente e conseguir, mesmo que a custa de muito esforço, aprender a se adaptar. Superar essa fase de adaptação revela maturidade, que é uma característica muito valorizada profissionalmente.
Além do mais, talvez não valha muito a pena antecipar a volta. Poder passar um período trabalhando fora do seu País traz uma experiência fantástica. Não importa o lugar ou as intenções. Viver fora dos limites de proteção do ambiente familiar, conhecido e controlado, promove uma grande aceleração no processo natural de amadurecimento. Nunca se volta o mesmo. Portanto, não se arrependa, e aproveite cada momento destes tempos no exterior. Descubra sua capacidade de sobreviver sem ajuda, desenvolva sua autoestima, aprenda a conviver e a respeitar o diferente. Viver essa experiência lhe será útil em qualquer trabalho que venha a fazer depois. A experiência desta temporada vivida fora do País será fundamental.
Na verdade, todo o processo será uma preparação para o exercício de tarefas cada vez mais complexas. Outro ponto é que a maioria dos cursos on-line fazem a gravação das aulas para permitir que elas possam ser assistidas de forma assíncrona em outros horários mais adequados para os alunos. Tente se organizar para continuar no curso, mesmo que com alguma dose de sacrifício. Em paralelo, procure se desenvolver. Questione permanentemente. Busque em profundidade, pesquise as tendências sociais, culturais, administrativas e mercadológicas. Mantenha-se atual. O importante é você mesmo escrever seu próprio horóscopo. Jamais deixe que o acaso determine o que vai acontecer com você. Nem que outros determinem sua vida. Planeje, pois quem não planeja é sempre surpreendido. O planejamento é fator fundamental para o sucesso. Essa inadaptação tão rápida sugere que, na verdade, não houve um planejamento adequado na busca e na aceitação desse novo emprego. Ser surpreendido com as condições no novo trabalho mostra uma preparação insuficiente antes de se aceitar a oferta.
Aliás, esse erro é muito mais comum do que se imagina. Os profissionais, no afã de conseguirem uma nova oportunidade de trabalho, acabam agindo impensadamente, ou se deixando iludir com promessas e desejos. Por outro lado, a maioria das carreiras de sucesso foi planejada e idealizada cuidadosamente. Cada fase, momento e detalhe da vida é resultado de muita análise, avaliação, e repetição até a perfeição, como, por exemplo, a carreira dos grandes atletas. Cada um que está subindo, agora, ao ponto mais alto do pódio, levou anos e anos de treinos e sacrifícios, planejando cada um destes momentos. E é assim que tem que ser, na vida e na carreira profissional. Todo mundo faz carreira com o mesmo objetivo: ter sucesso. Não importa o que isto significa para cada um, mas, todos têm o sucesso como meta, ou seja, ir além da sobrevivência, além do significado mais básico do trabalho, a troca financeira, a remuneração.
Fazer carreira é muito mais que aplicar conhecimento, técnicas e ferramentas. É também saber se controlar, se relacionar, comunicar e influenciar pessoas. Para isso é preciso ser especialista em “gente”. Se “aprende gente” vivendo situações novas e observando as pessoas e suas intenções e reações. Aproveite o período no exterior. Aprenda “gente” que você estará investindo em sua carreira.
Texto escrito pelo prof. Dr. Gilberto Guimarães originalmente para o jornal Valor Econômico