Na coluna do professor do PROINFO-FIA Dr. Gilberto Guimarães para o jornal Valor, um importante questionamento sobre liderança no home office. Confira:

Pergunta: Como lidar com a sobrecarga no home office sendo líder aos 32 anos?

“Tenho 32 anos, sou formada em economia e pós graduada em gestão de finanças. Iniciei há um ano e meio em uma nova empresa em um posto de liderança, pela primeira vez. Gostaria de dicas para uma jovem líder sobrecarregada para conquistar e estimular uma equipe de aproximadamente 12 funcionários, principalmente com esse cenário de home office”.

Essa situação comporta respostas com três enfoques diferentes. O primeiro seria a relação entre idade e liderança, o segundo seria a percepção de sobrecarga e finalmente a terceira é aquela que está mais na moda, que seria a de como manter motivada e estimulada uma equipe trabalhando em “home working”.

Apesar de o senso comum associar liderança com idade, isto não é, necessariamente, verdadeiro. Muitos chegam jovens a liderança. Só como exemplo, Alexandre Magno assumiu o trono da Grécia com vinte anos de idade. Aos trinta anos já havia criado um dos maiores impérios do mundo antigo. Morreu aos 32 anos invicto em batalhas e é considerado um dos líderes mais bem sucedidos da história. Não se deve avaliar a liderança pela idade do líder. Liderança é uma tarefa e como toda tarefa pode ser aprendida desde cedo.

A tarefa da liderança é organizar e conduzir as pessoas, como membros de um grupo, levando-as a atingirem seus objetivos individuais, e os objetivos comuns compartilhados. O ato de liderar envolve uma perspectiva de desenvolvimento e uma visão estratégica. Segundo Peter Drucker, a liderança, em sua essência, é mais eficácia e desempenho. Liderança é o ato de criar e implantar uma visão. O domínio dos líderes é o futuro.

Pode-se, em resumo, definir liderança como o processo de influenciar e motivar as atividades de um grupo organizado e direcionado à realização de uma missão, um objetivo.  A base da liderança é a compreensão dessa missão: é saber defini-la e comunicá-la; é estabelecer metas, prioridades e padrões; é transmiti-la e conseguir influenciar. Liderar é influenciar pessoas para que desenvolvam motivação para fazer o que deve ser feito com vontade e com o máximo de seu potencial para atingir os objetivos compartilhados fixados. É fazer as coisas acontecerem.

Para fazer as coisas acontecerem, o líder precisa conseguir transformar ideias e estratégias em ações e realizações. Deve decidir e escolher caminhos e alternativas, selecionar pessoas, montar equipes e implementar mudanças. Fazer acontecer significa ter autoridade ou ter poder. O desafio da liderança é conciliar essas duas formas para conseguir a adesão das pessoas. Para tal precisa ter foco. É a falta de foco que cria essa percepção de sobrecarga. Querer fazer tudo não faz sentido. É preciso saber definir e focar no essencial.

Foco em si mesmo, foco nos outros e foco no mundo, no ambiente. Foco em si é ter consciência, autoconhecimento e auto controle. É ter resiliência para se adaptar e para aceitar frustações. Foco nos outros é desenvolver empatia e inteligência emocional. Foco no mundo externo, é saber analisar, fazer escolhas e tomar decisões, é ter mente aberta, aprender a ver o mundo sem julgar. Para liderar e fazer acontecer é necessário estabelecer um senso de urgência. Sem um sentido de urgência fica difícil.

É preciso criar e comunicar aonde se quer chegar e o que precisa ser feito. Precisa criar comprometimento e evitar a tendência humana à procrastinação. É preciso estabelecer um protocolo de decisões, definindo claramente quais são as responsabilidades, quem as assume e que resultados esperar. Para garantir a existência da responsabilidade é importante desenvolver o empowerment trazendo e desenvolvendo pessoas que possuam accountability, ou seja, que assumem a responsabilidade e a obrigação de fazer o que precisa ser feito, sentindo-se comprometidas com os resultados, assumindo as consequências, sem nunca se colocarem como “vítimas” do processo.

Os líderes eficazes sabem identificar pessoas com as habilidades necessárias, atraí-las, engajá-las e motivá-las para que deem o melhor de si.  Mas isso fica bem mais complicado quando se tem que trabalhar com equipes que atuam em locais e em momentos diferentes como acontece com o home working. As empresas estão, definitivamente, adotando uma das mais importantes mudanças desses novos tempos que é a possibilidade de um trabalhador do conhecimento poder trabalhar diretamente de “casa”, controlando seus horários e ferramentas de trabalho. Já é grande o número de pessoas que consegue trabalhar sem ter que ir a empresa, sem marcar presença física, sem horário definido e controlado.

Em home working o controle só pode ser por trabalho executado, por resultados obtidos, e não mais pela quantidade de horas disponibilizadas. Essa nova forma de trabalho pressupõe novas competências e organização. Não é fácil passar a trabalhar em casa, sem horário e sem controle. Falta a estrutura do tempo que a empresa propõe, faltam os “amigos” para trocar ideias e sentimentos, falta o espaço típico de trabalho, falta o “cara-a-cara” que permite perceber a avaliação mútua. As pessoas não foram treinadas para isso. Para poder ter sucesso nesse processo, o profissional, e a sua família, precisam criar novas estruturas e novos hábitos. É preciso existir, na casa, um local específico de trabalho, um quarto, ou apenas um canto, não importa, mas que esteja configurado e que seja respeitado como local de trabalho.

Um local em que ninguém entra, ninguém invade. Outro ponto importante é criar disciplinas domésticas. O profissional precisa estabelecer hábitos e horários; o café da manhã, o banho, o vestir-se para o trabalho e ir para o quarto ou canto de trabalho, a pausa, o almoço, a volta. “Trancar-se” e trabalhar. A disciplina é fundamental. Não fomos “condicionados” a mantermos a disciplina, sozinhos. Na escola, no trabalho, na vida, sempre fomos de alguma forma induzidos e controlados. Essa liberdade é nova. Até mesmo a legislação e a justiça do trabalho não estão preparadas para essa nova forma de trabalho e para essa ausência de controle de horas trabalhadas.

Muito menos a liderança. Os líderes tem que aprender a criar condições para que as equipes possam ter liberdade para atuar e estabelecer seus métodos de trabalho e se tornarem capazes de executar suas tarefas e atingir suas metas sem um controle e supervisão próximas. As equipes remotas tem que ser compostas por pessoas comprometidas, com responsabilidade e disponibilidade para reconhecer problemas e desenvolver soluções, e que funcionem motivadas por um sentimento profundo de propósito.

Um propósito, um objetivo maior uma visão arrebatadora. Quando as pessoas acreditam ter um propósito profundo apresentam desempenhos individuais e organizacionais extraordinários, e prescindem de um controle próximo e rígido.  Isso depende sempre do estilo de liderança.

A função mais nobre da liderança e sua responsabilidade primária é infundir o propósito e significado do trabalho em cada um dos colaboradores. É tarefa da liderança desenvolver em cada colaborador esse tipo de percepção e sentido com o trabalho. A partir daí, os desempenhos individuais serão extraordinários, com resultados muito além do esperado.